terça-feira, fevereiro 28, 2006

Memórias de mim

Memória: todo ser humano se faz de lembranças. Sejam elas preservadas naquela camisa velha, surrada, que você insiste usar ou naquele perfume que se sentia nas entre curvas de seu amor nos dias de romance. Sabe? Aquela calça que ficar super bem em você e parece que nunca vai encontrar outra igual. Melhor: aqueles dias que você ficava com seus amigos de faculdade jogando conversa fora nos corredores, enquanto o seu professor falava de um assunto chato, difícil de entender. E quando seus pais brincavam com você, o chamando de criança mais linda do mundo. Quando as torres do World Trade Center foram bombardeadas por dois aviões. Ah, isso todos nós vamos lembrar, até mesmo os que não estavam vivos na época irão rememorar: um metalúrgico revolucionário chegou a Presidência da República do Brasil. São fatos armazenados na memória que fazem ser quem somos.
Todos nós temos a necessidade de fazer a nossa caixinha, gavetas de memórias. Eu mesmo tenho uma caixa de papéis, bilhetes de pessoas que me amaram ou me odiaram um dia. Tenho a necessidade de pegá-la, cheirá-la e permitir-me voltar ao tempo, para detectar o que sobrou de mim, e descobrir quem sou eu no exato momento.
Aliás tenho um vizinho que insiste em preservar uma memória: um carro que há muito tempo foi o seu primeiro automóvel. Hoje ele é uma gaiola de passarinhos, com quatro rodas, uma pintura desbotada, bem estacionado em frente à casa dele. Na minha insensibilidade sempre me perguntei, incomodada com o carro na rua: Por que esse sujeito não vende esse carro para o ferro velho? Poxa, isso está muito feio e até ninho de gato tem nessa lata, matutava.
Até pensei em fazer uma reportagem, foi quando descobri que era mesmo uma relação de afetuosidade do meu vizinho com o carro dele. Toda simpática, perguntei: Que tal me contar a história do carro que fica parado a sua porta? Ele não gostou da idéia, mas disse que viria a minha casa para conceder-me a entrevista. Mas desde quando uma fonte vai até o jornalista? Só quando há um interesse de suborno, mas não era o caso... Não quis insistir, ele não veio. Já que ele não quis e não deu para fazer uma reportagem, resolvi fazer uma crônica. Pois é, descobri que ele amava mesmo o seu primeiro carro, mesmo que ele não servisse mais e não desse para levar a esposa para o trabalho, os filhos para escola, ou fazer uma viagem quando tivesse tempo. Para ele, encontrar-se com o carro todos os dias à entrada de sua morada, era uma forma de se cultivar a memória, de exaltar o que ele era agora.
O automóvel faz parte da vida dele e de vez em quando o lava como se fosse andar nele novamente. Como podia eu entender isso? O carro que para mim era um latão, para ele era um objeto que era expressão de dignidade e vitória. Ao olhar para o carro ele se lembrava das aventuras, perdas e peripécias que deram sabor a sua vida, Ele se recordava de como foi difícil conseguir o seu primeiro carrinho, o quanto teve que renunciar a brincadeira para trabalhar com o pai e juntar dinheiro. A primeira volta com a namorada. O dia que se aventurou ir a Formiga com os amigos, sem avisar os pais, e conheceu a sua última namorada, com quem viria a casar-se. E quando a sua mãe passou mal e ele levou ao hospital, salvando-a vida. Ele se sentiu um herói. Como podia ele lembrar disso tudo sem a presença física do Opala de 70, ali bem ali, encostado ao passeio do lar.
Ele é um apreciador da memória, essa que nos ajuda a não cometermos os mesmos erros, que nos ajuda a safar-nos de algum engano, de lembrar dos rostos que passaram por nossas vidas e já não podemos vê-los mais. Não questiono mais porquê o meu vizinho não vende o carro para o ferro velho, mas pergunto-me: será que somente eu implico com o latão que está parado há mais de cinco anos na rua? Não parece coisa de louco?...

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Resgate histórico: o início e o fechamento do aeroporto Rondon Pacheco de Arcos





Toda cidade, à medida que evolui, abriga dentro de si uma “cidade invisível”, isto é, imagens de monumentos, casas, locais, paisagens e pessoas que não existem mais. Ou melhor, perduram somente na memória dos habitantes mais antigos do município, em fotografias e em documentos oficiais. Como o escritor Ítalo Calvino, retrata no livro “As Cidades Invisíveis”, a cidade deixa de ser apenas um conceito geográfico para se tornar um símbolo complexo da evolução e da existência humana.
Nesta perspectiva, Arcos já se tornou um município com várias histórias e memórias a serem resgatadas. Uma delas, diz respeito ao extinto aeroporto “Rondon Pacheco”, da década de 60 a 80, situado às margens da BR 354, no lugar onde hoje se localizam a Puc Minas Arcos e a empresa Coser Ltda (antiga Transcálcio), numa área que se estende até ao final do terreno do Parque de Exposições.
Conforme o aviador e ex-prefeito de Arcos (1971 a 1972), José Teixeira de Rezende, sua idéia de investir na construção de um aeroporto surgiu quando o aeroclube, comandado pelo arcoense Tonico Fonseca, foi desativado, por volta de 1960. Em 1967, iniciou-se a construção do hangar no mesmo local do aeroclube, que daria corpo ao aeroporto inaugurado em 1970, num terreno de dois quilômetros de extensão, aproximadamente. Conforme Rezende, uma parte do terreno era de propriedade privada e a outra pertencia à Prefeitura de Arcos. Não houve nenhuma solenidade de inauguração, porque, como diz o aviador, o poder público e grande parte da população não eram favoráveis à instalação do campo de aviação. “Geralmente, a humanidade sempre é contra algo que ela não usufrui”, comenta.
Apesar de boa parte das pessoas e dos amigos de José Rezende não aprovarem o aeroporto, o aviador conta que conquistou a confiança do povo quando comprou 10 tambores de gasolina, com dois mil litros de combustível e voou com vários moradores da cidade, sem cobrar nenhuma taxa. Rezende rememora que as pessoas tinham muito medo de avião naquela época. Um fato curioso que o aviador não esquece foi a mobilização de cerca de 50 pessoas que foram à casa dele para pedi-lo que vendesse o avião, porque tinham receio que ele se acidentasse e morresse.
O nome do aeroporto foi escolhido em homenagem ao governador de Minas Gerais, Rondon Pacheco (1971 a 1975), por ele ter liberado uma verba para asfaltamento do terreno e autorizado o Departamento de Estradas de Rodagem (DER/MG) a asfaltar o campo de aviação. Entretanto, José Rezende conta que depois de cumprir a gestão municipal em janeiro de 1973, Olívio Guimarães Faria (o Zizo), que assumiu o cargo, não autorizou a reforma.
O primeiro avião a pousar no campo de aviação foi uma aeronave paulistinha, com dois lugares, de propriedade de José Rezende, em 1970. O aviador lembra que o aeroporto era muito útil para as empresas da cidade, pois a maioria dos desembarques era de aviões com funcionários do alto escalão da Itaú, da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) e de outras indústrias e agências bancárias.
Diversas personalidades políticas também usufruíram o campo de aviação “Rondon Pacheco”, como o governador de Minas Gerais e o secretário da agricultura, à época. Rezende conta ainda que, certa vez, aconteceu de um avião com destino à cidade de Oliveira pousar em Arcos, porque, em Oliveira, não havia um lugar adequado para o pouso.
Em 1986, o aeroporto foi desativado porque o atual prefeito de Arcos, Plácido Ribeiro Vaz (em seu primeiro mandato - 1983 a 1988) fez uma permuta de imóveis entre a empresa Coser Ltda e a Prefeitura de Arcos. A troca visou à transferência do aeroporto para um terreno próximo da estrada das paineiras, no norte da cidade.

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

De Foz do Iguaçu a Arcos de bicicleta

Dois ciclistas foram de carro até a Foz do Iguaçu, compraram bicicletas no Paraguai e voltaram pedalando de Foz de Iguaçu a Arcos


Você já pensou em atravessar o Brasil de bicicleta, ou simplesmente o Estado em que vive? No filme brasileiro “Caminho das Nuvens”, lançado em 2003, um pai de família, em busca de um sonho, leva a esposa e os cinco filhos de bicicleta da Paraíba ao Rio de Janeiro; percorrem 3.200 quilômetros em cima de “duas rodas”. Ao assistir o filme, pode-se pensar: “isso é fantasia de cinema, não existe na vida real”. Porém, enganado está quem pensa assim, pois imagine este fato: dois ciclistas arcoenses, Lauro Rodrigues, 24, e João dos Reis Nascimento, 44, com dez quilos nas costas de bagagem a pedalar por oito dias, 55 cidades, um total de 1.600 quilômetros, enfim, de Foz do Iguaçu, no Paraná(sul do país), a Arcos, em Minas Gerais (sudeste).
Os dois esportistas provaram que tal aventura não existe somente nas telas do cinema nacional e mais ainda, que pode dar certo, quando bem planejado e com um bom condicionamento físico. Foram três meses de treinamento; durante os cinco dias úteis da semana fizeram exercícios aeróbicos com a instrução do atleta Márcio Camargo e, nos domingos pedalaram cerca de 240 quilômetros. Chegaram a ir a Divinópolis, Itapecerica, Luz, Córrego Dantas, Lagoa da Prata e Moema. “Foi um treinamento muito pesado, mas valeu a pena, porque não tivemos nem dor-de-cabeça durante o ciclo-turismo”, afirma João.
O desejo de se fazer a viagem surgiu da vontade de se montar uma bicicleta com peças profissionais, portanto caras, e então João pensou: “Podemos ir até o Paraguai, compramos as peças e voltamos de bike”. O “amigo de pedal” (como os ciclistas que pedalam juntos se chamam) Lauro gostou da idéia e resolveu planejar a aventura e fazer o ciclo-turismo com o parceiro. Os amigos tiveram que combinar as férias de trabalho no mesmo mês para que pudessem ir juntos. João conta que outros ciclistas arcoenses se interessaram em fazer a viagem, mas que por falta de disponibilidade não puderam realizá-la. Os dois ciclistas ficaram quatro meses estudando o mapa tentando delinear o percurso mais adequado, entretanto, foi por meio do programa de computador Infoguia, que montaram o roteiro de viagem.
Lauro e João partiram de Arcos na madrugada do dia 16 de novembro, de carro com algumas pessoas que também iriam fazer compras no Paraguai. Chegaram em Foz do Iguaçu no dia 16, à noite. No dia 17, foram ao Paraguai, na Ciudad del Este, em busca das peças da bike, porém como os aventureiros relataram, a primeira frustração da viagem veio a acontecer: não encontraram todas as peças que necessitavam; uma delas foi a suspensão, o que fez com que eles colocassem na bicicleta um garfo rígido sem amortecedor.
Assim como os antigos viajantes, os ciclistas durante todos os dias da viagem relataram detalhes do ciclo-turismo em um “diário de bordo”. Conforme consta nos relatos dos atletas, a bicicleta ficou pronta no dia 19 e no dia 20 eles começaram a seguir o percurso de volta em cima da bike. Mas antes de iniciarem o circuito, eles testaram a firmeza da bicicleta ao percorrer a estrada de Foz do Iguaçu até as Cataratas do Iguaçu e estenderam o itinerário até a cidade de Aduana, na Argentina.
Todos os dias, à noite, quando já estavam a descansar, Lauro e João esquematizavam o roteiro do dia seguinte. Saíam dos hotéis por volta das sete a oito horas e paravam de pedalar até as 19 horas.
Com o objetivo de fazer o regresso em sete dias, os ciclistas cronometraram todo o tempo de viagem e por isso, não foi qualquer obstáculo que os impediram de prosseguir. Eles enfrentaram ventos fortes no Paraná, em São Paulo além de chuva nos três dias em que estiveram lá, pegaram 200 quilômetros de rodovia sem acostamento. “Tivemos que brigar com vários carros e carretas. Alguns respeitam e outros não, mas graças a Deus tivemos a felicidade de termos sucesso; só presenciamos dois acidentes em todo caminho”, conta João.
Lauro conta que de todas as dificuldades que enfrentaram as mais desagradáveis foram em São Paulo, por causas das tempestades e dos ventos fortes. Houve dias em que tiveram que almoçar molhados e enquanto pedalava o pneu às vezes saía do chão, por causa da velocidade dos ventos. Quase todos os dias eles tinham que lavar as roupas nos hotéis em que hospedavam, afinal levaram na bagagem poucas peças. O ciclista conta também que em Minas Gerais os pneus de sua bicicleta furou três vezes. Mas como estavam com um arsenal de câmaras de ar, o problema foi resolvido com facilidade.
Já para João foi a alimentação, porque não gostou da comida no Paraná e passou praticamente a lanche. Tirando essas pequenas dificuldades, João avalia a viagem como uma aventura bem-sucedida, pois não tiveram problemas de saúde e nem na estrada. Pelo contrário, ele conta que algumas vezes algumas pessoas os pararam na rodovia para incentivá-los e até presenteá-los com algo.
Para manter a resistência física, os ciclistas tiveram uma alimentação regada a frutas e também comeram massas para ingerir carboidrato. Conforme os ciclistas afirmam eles se surpreenderam, porque no final do dia quando paravam de pedalar se encontravam ainda bem dispostos e com reserva de energia, embora tivessem pedalado por extensos 180 quilômetros.
No último dia de viagem, 27 de novembro, os ciclistas se superaram, pedalaram 230 quilômetros, de São Sebastião Paraíso até Arcos. A única parada, segundo eles, foi no Rio Turvo para almoçarem. Depois de 40 minutos, voltaram para a estrada e chegaram em Arcos às 21h:30m.
Para fazerem essa viagem os ciclistas obtiveram patrocínios da clínica odontológica Smile Prev e da empresa BR Pneus. Eles gastaram, cada um, 1.800 reais.
Em 2006, os ciclistas pretendem continuar as aventuras pelo Brasil, na Ilha de Fernando de Noronha ou seguir a rota da Estrada Real.

sábado, fevereiro 18, 2006

A história traçada por um visionário




Sonhador, alegre e falante. Características que fazem de José Teixeira de Rezende um cidadão arcoense cheio de histórias para contar. Por causa de uma idéia fixa, ele que foi servente de pedreiro conseguiu conquistar o sonho de ser prefeito de Arcos e o edificador do prédio mais alto da cidade, entre outras vitórias


A história de uma cidade se faz pelas pessoas que a habitam, e pelo que esses moradores fazem por este município. Viver para contar esses fatos é uma dádiva para cidadãos ativos que exerceram a cidadania em sua completude. Esse é o caso do visionário e versátil, José Teixeira de Rezende, 79, que além de ter sido vereador e prefeito de Arcos, foi o edificador do prédio mais alto da cidade, o “Oliveira Rezende”, fundador do Rotary Clube de Arcos, e também idealizador do extinto campo de aviação.
Filho do pedreiro Plácido Teixeira de Rezende e da dona de casa Francisca Bernardes de Melo Rezende, José Rezende nasceu em Calciolândia, distrito de Arcos, que na época era chamado de Vila São Miguel, no dia 04 de maio de 1926. Foi servente de pedreiro e sonhava em construir um grande edifício e ser prefeito de Arcos, para concretizar o desejo de fazer algo para o desenvolvimento de sua cidade natal. “Muitos me criticavam e diziam que eu iria morrer carregando concreto”, lembra.
José Rezende foi vereador em 1966 ate 1970, e um ano depois foi eleito pelo povo para ocupar a cadeira do Executivo. Na época eram dois anos de mandato, poucos recursos financeiros e um pequeno salário de 625 cruzeiros. Se não fosse uma empresa de tubos de concreto que possuía, Rezende conta que passaria fome com o ordenado de prefeito. O vice-prefeito era Lázaro Teixeira Arantes e corpo administrativo municipal era composto por nove secretários.
Arcos era uma cidade “jovem”, com 30 anos de emancipação político-administrativa, com cerca de 20 mil habitantes e já possuía todas as empresas que abriga hoje, com exceção da Lagos. Um dos grandes feitios da gestão de Rezende foi a luta pela reativação da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), que estava parada desde que adquiriu a jazida em 1956. O ex-prefeito de Arcos conta que foi um trabalho em conjunto do Executivo, Legislativo e da sociedade civil na negociação com a empresa. No início foi difícil à comunicação com os diretores da indústria. Rezende conta que foi várias vezes ao Rio de Janeiro para se reunir com a superintendência na matriz da Companhia Siderúrgica, e depois de muitas reuniões, a operacionalização da CSN foi confirmada, quando a prefeitura liberou 80 casas populares na Avenida Laura Andrade para abrigar os funcionários de baixa-renda que viriam das cidades que a empresa possuía filiais.
Segundo Rezende na última reunião que teve com o superintendente da CSN, em Arcos, o Diretor do Banco Mundial estava presente, já que a instituição financiou cerca de 300 milhões de dólares na construção da indústria.
O município nessa época alcançou uma projeção, porque a notícia de progresso e desenvolvimento econômico se espalhava por toda região Centro-Oeste de Minas Gerais. Rezende lembra que as indústrias atraíam imigrantes e que isso contribuía para uma propaganda positiva do local. A partir daí, outras empresas foram instaladas na cidade com o apoio dele, como a Agrical, a Renovadora de Arcos, que na época gerou mais de 100 empregos e o posto Xodó.
Apesar dos poucos recursos financeiros que a prefeitura obtinha na época e pelo mandato ser apenas de dois anos, Rezende ficou satisfeito com a gestão, por ter contribuído com o desenvolvimento da cidade.
A obra que mais se orgulha de ter viabilizado é o viaduto “Plácido Teixeira de Rezende”, na Avenida Presidente JK, lugar que hoje se tornou muito movimentado por ser via de acesso a PUC Minas Arcos. Ele conta que o Legislativo foi contra a construção do viaduto com a espessura de 16 metros de largura e que ele teve que liberar a obra por decreto.
Depois de do mandato concluído e de seu primeiro sonho ter sido realizado, Zé Rezende se empenhou em concretizar o segundo: a edificação do prédio “Oliveira Rezende”, nome que homenageou a própria família e a de sua esposa. Ele lembra que enfrentou vários obstáculos para realizar o anseio, desde o financiamento no Banco ate o alvará para autorização da obra. O prédio tem 30 apartamentos e 13 pavimentos, entre térreo, primeiro piso e andares, e foi inaugurado em 1980. Outra realização pessoal que Rezende teve foi a graduação em Direito pela Fadom (Faculdades do Oeste de Minas) de Divinópolis, com 64 anos.
Rezende diz que não retorna a vida política porque seu estado de saúde não permite, mas que vai continuar a lutar pelo bem comum da cidade, e que suas pretensões, atualmente, são a organização do seu acervo de fotos antigas de Arcos e a composição de uma autobiografia.

Colecionar é...

Arcoense coleciona todo tipo de objeto e faz de sua casa um museu, que tem desde peças requintadas como um jogo de chá da China a um jogo de antigas vasilhas de margarinas coloridas





Apesar da atual era digital, em que a memória coletiva começa a ser arquivada em cds-rooms e disquetes, ainda existem pessoas que preservam o passado por meio de coleções. A reunião dos objetos pode ser das mais comuns, como latas de cerveja, discos, cartões-postais às mais exóticas, como caramujos, vasilhames de margarina e copos de festival de sorvete. Muitas vezes, o ato é encarado como um puro prazer, e não como mania.
A primeira peça pode ser guardada para eternizar alguma lembrança ou um momento, ou até por ímpeto. A arcoense Maria da Conceição Contins, 76, não sabe dizer com precisão, porque começou a colecionar. Ela só se lembra que as primeiras coleções surgiram de manias estranhas. Aos 15 anos, pegava ovos de passarinhos e fazia deles colares, e os guardava. Já aos 18 anos, Maria colou gravuras em alguns azulejos, gostou do resultado e não conseguiu desfazer dos objetos. Ao contrário da maioria dos colecionadores que possuem objetos da mesma natureza, Maria guarda artefatos de toda espécie.
Ao entrar na varanda da casa da colecionadora, logo se depara com uma janela forrada de fotografias antigas e peculiares, dela e dos familiares. Todos os cantos da residência têm objetos de todo tipo: caramujos, miniaturas, joão-de-barro, copos, louças, colheres de plástico. Maria distribui os objetos de acordo com os cômodos da casa. Na sala ficam objetos variados, no quarto ficam os potes de cremes que ela possui há 20 anos, na cozinha ficam as vasilhas de margarina que guarda com orgulho. Segundo a colecionadora, esses vasilhames foram os primeiros a serem fabricados no Brasil, para o transporte do alimento. Inclusive, a diferença é nítida, porque são todas coloridas. Outra coleção que Maria se gaba é um jogo de chá chinês que tem 100 anos, que comprou de uma amiga.
Entretanto, parte das 500 peças que possui em casa, Maria pegou do lixo, e outras ganhou de amigos e parentes. “Para mim, nada é lixo, tudo é bonito. Pego o que as pessoas jogam fora, limpo e decoro a minha casa”, conta Maria da Conceição.
A excentricidade de Maria chama a atenção das pessoas e algumas até fazem ofertas de compra das coleções da colecionadora. Uma das indagações freqüentes que os visitantes fazem é como consegue manter a casa limpa. Maria da Conceição responde com orgulho e satisfação: “É com a graça de Deus”.
Mais do que uma colecionadora, Maria da Conceição é uma figura histórica de Arcos. A arcoense conta que foi a primeira moradora da rua Donato Rocha, localizada no centro da cidade, e que viu o município crescer e evoluir. As coleções de Maria já foram reportadas no jornal-laboratório “Portal” da Puc Minas Arcos, e no telejornal “Oeste Notícias”, transmitido pela TV Oeste.
Muitas pessoas encaram este ato de colecionar com preconceito e o interpreta como loucura, passatempo ou simplesmente como mania, porém o psicólogo social, Daniel Augusto dos Reis explica que o ser humano é movido por desejo, ao contrário dos animais que são que são movidos pelo instinto. Para o psicólogo, o colecionador vê na coleção uma forma de suprir esse desejo, uma sensação de incompletude que todos os indivíduos possuem em si.
“O objeto de desejo pode ser animado ou inanimado. O ser humano deposita nos materiais a confiança de que eles irão suprimir a sua incompletude humana. Uma série de coisas trazidos para perto si é representativa e é a forma que os colecionadores encontram para satisfazer um desejo inconsciente”, explica Daniel Reis.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Um brado de doçura


Uma diversão, uma alegria, uma fonte de renda. Luis, conhecido como o “homem do algodão-doce” e Dona América são personalidades marcadas em Arcos pela vitalidade e pelo “grito de guerra”. Os dois vendem doces pela força da voz



“Olha a paçoquinha, beijo-quente, geléia e algodão-doce. Olha o algodão-doce, geléia, beijo-quente e a paçoquinha”. É por este “grito de guerra” que o arcoense Luis Gomes da Silva, 56, é conhecido em Arcos e é também pelo brado, que vende doces nas ruas do município há 15 anos.
Filho de Luis Gomes da Silva e Margarida Teixeira da Silva, Luis junto com mais cinco irmãos, nasceu e foi criado em Arcos, na zona rural. Para ajudar o pai com os serviços na roça, começou a trabalhar, desde muito cedo, por volta dos dez anos. Jovem, aos 19 anos, foi para a cidade e conseguiu o seu primeiro emprego: servente de pedreiro. Foi a partir daí que a história do “homem do algodão-doce”, assim como é conhecido em Arcos começou a deslanchar. Casou-se com Sirlei Rodrigues e então sentiu a necessidade de aumentar a renda familiar. Pensando em uma forma de viabilizar essa meta, Luis começou a vender pipoca e algodão-doce nas ruas e recebia por porcentagem.
O doceiro gostou da experiência, comprou uma máquina de fazer algodão-doce e começou a vender por conta-própria. À medida que foi vendendo os algodões, Luis incrementou a oferta de guloseimas e iniciou a venda de paçoquinha, beijo-quente e geléia.
O mais peculiar e atrativo do vendedor é o seu grito, que é marcado por uma sonoridade melódica e rítmica. Quem ouve uma vez jamais esquece. Luis conta que mantém a sua casa com a venda dos doces, porém é a voz que o dá alegria de ter clientes todos os dias quando sai pelos bairros da cidade, com a piteira cheia de algodões e uma caixa-metal com outros doces. Ele conta que no início, quando começou a vender, o grito não saía com a sonoridade que sai hoje. Ao contrário do que exclama atualmente, outrora ele dizia: “paçoquinha, amendoim-doce, geléia e algodão-doce”. A frase não tinha ritmo, lembra o vendedor. O brado foi aprimorado quando uma senhora deu a dica a Luis de gritar “beijo-quente” ao invés de “amendoim-doce” e, além disso, o doceiro descobriu a ordem das palavras e o macete de que se invertesse a ordem da frase, ela poderia se tornar uma melodia.
O grito do “homem do algodão-doce” atrai crianças e até mesmo pessoas que estão dentro de casa. “Vendo algodão-doce no grito. Se sair calado não vendo nada”, afirma. Inclusive, Luis conta que nos dias em que está com a garganta inflamada não sai às ruas para comercializar os doces. O doceiro brinca e diz que sai mais gritos do que venda e que já levou algumas mordidas de cães por causa disso. Ele diz ainda que há muitas pessoas com preconceito em relação ao trabalho dele, pelo fato de ele ter uma forma diferente de atrair os consumidores.
A rotina de Luis é de fazer inveja a quem faz caminhadas, afinal, o doceiro anda em todas as ruas, de oito bairros, durante cinco dias da semana. Segundo ele, gasta em média oito horas para fazer esse trajeto; sai de casa por volta das 14 horas e retorna por volta das 22 horas. Devido ao extenso esforço físico, o vendedor diz que já foi internando quatro vezes por causa das fortes câimbras que sente nas pernas.
Cada dia, Teixeira vai para uma zona da cidade e nunca regressou para a casa sem vender nada, embora diga que no passado vender doces nas ruas era mais fácil, porque as pessoas não tinham acesso à variedade de guloseimas que se tem hoje nas padarias e até mesmo nas praças.
Luis afirma que só deixa de ir as ruas vender os doces quando está doente e que irá comercializá-los enquanto tiver vida.
Com a mesma motivação de Luis, América de Oliveira Carvalho, 71, pretende vender nas ruas de Arcos, “pés-de-moleque” e “biquinhos”, enquanto estiver de pé. Há 21 anos, ela vende os doces nos bairros Brasília, São Vicente, Vila Boa Vista e no centro da cidade.
Com carisma, América tem no ofício um divertimento sem igual; conversa com quem encontra nas ruas e descontrai com a oferta dos doces. Ela também tem um grito de guerra: “pé-de-moleque, olha o biquinho”. Com ‘jeitinho de vovó’ oferece os doces às pessoas com meiguice, fato que faz com que ela volte para a casa com o balaio de guloseimas vazio. Uma vez ou outra, ela brinca e diz para quem passa na rua: “aceita um biquinho, um pé-de-moleque para você ficar docinho?”. Essa é a rotina de América, de segunda a sábado, das 14 horas até as 17 horas. “A alegria que eu tenho na vida é essa: andar e vender os doces e ir conversando com as pessoas. Enquanto eu puder andar vou continuar a vender , porque se não fico triste e doente.”
O segredo do sucesso dos dois doceiros está no brado, pois América, assim como Luis, diz que se não gritar não vende nenhum doce.

Mestre no lápis



Um lápis, uma borracha e uma cartolina são materiais suficientes para que Antônio Rocha do Carmo, o Chibiu, torne belas as coisas mais simples da vida, por meio do desenho


“Desenho, pai de todas as artes”, já diziam os italianos renascentistas, e hoje os traços estão mais em evidência do que nunca, com a ascensão dos mangás (desenhos em quadrinhos japoneses) e da miscelânea que a produção cinematográfica tem feito com essa arte milenar.
A finalidade de um desenho pode ser das mais diversas: um simples esboço de uma tela, uma peça de roupa, uma história em quadrinhos, ou uma série para uma animação, ou simplesmente o puro desenho, por ele só. Tudo que se produz nas artes inicia-se com ele, mesmo que este seja grotesco.
O arcoense Antônio Rocha do Carmo, conhecido como Chibiu, descobriu o ato catártico de desenhar, atualmente, aos 63 anos de idade. A atividade não passava de um exercício profissional, já que a sua formação é “técnica em edificações”. Desde os 20 anos, ele já fazia desenhos arquitetônicos. A revelação de que ele tinha um dom para o traço artístico se deu de forma inusitada. O desenhista estava trabalhando na construção do poliesportivo de Itapecerica, e foi quando, por pedido do prefeito da cidade, ele fez um desenho da obra terminada. O entusiasmo tomou conta de Chibiu ao ver uma produção sua sendo admirada pelos moradores da cidade. Nessa época, ganhou uma prancheta de um amigo engenheiro e desde então não parou de retratar a realidade por meio do lápis.
Outra fase que acelerou a sua produção artística foi uma série de problemas pessoais que enfrentou. Ele lembra que foi nesse período, que a inspiração surgiu e que começou a criar com intensidade. As suas primeiras retratações foram de idosos, pela grande expressividade facial que eles demonstram. “As rugas, as marcas que a vida nos imprime me chama a atenção, eu tenho um monte delas, e por isso gosto de mostrá-las”, explica.
Porém, Chibiu diz não ter predileções por certos tipos de desenhos. Gosta de retratar tudo e todos. Inclusive, suas obras têm chamado à atenção de quem às vê, por seu traço livre, firme e por mostrar com precisão imagens de Arcos, como casarões antigos, ruas, praças e igrejas que fazem parte da historia da cidade. Esses desenhos estiveram expostos na Casa de Cultura durante todo o mês de julho.
O traço pode nascer de uma percepção pessoal ou se basear numa imagem impressa. Quando o desejo de desenhar surge espontaneamente, Chibiu senta em frente ao monumento, procura o ângulo adequado e risca no papel as delimitações grosseiras, sem uma perspectiva. Ao chegar em casa, ele se retira para uma casa antiga anexada a sua, que utiliza para trabalhar. Lá, numa cartolina 40 X 60, com um lápis preto, número 6B, de ponta quadrada e uma borracha a disposição, ele começa a desenhar as suas impressões, todos em preto e branco, cria a luz, a sombra, ate dar forma ao “imaginado”. “Eu sou apaixonado com o preto/branco; de uma gradação mais escura, vou para uma penumbra, chego num reflexo ate num clarão”, descreve o desenhista.
Quanto à predisposição e influências para desenhar, Chibiu afirma que não existem empecilhos, nem parâmetros. Sempre está disposto a criar e com um estilo próprio, único, sem modelos. Ele conta que pode levar até quatro meses no aperfeiçoamento de um desenho, por ser detalhista. Se estiver se dedicando exclusivamente a um trabalho, termina em um dia, mas ao rever a obra percebe imperfeições e sente falta de detalhes que fazem toda a diferença.
Chibiu ri de si mesmo ao perceber que descobriu o amor pelo desenho artístico na idade em que está, e da uma dica para aqueles que têm medo de se entregar à arte. “Devemos dar valor ao que produzimos e investirmos nisso”. Ele lembra que não dignificava os seus desenhos e nem os mostrava para ninguém, e que a partir do momento que se integrou a Associação de artesãos de Arcos, as pessoas começou a elogiá-lo, o que despertou a vontade de se tornar profissional.
O desenhista conta que já recebeu encomendas da prefeitura de Formiga para fazer desenhos de imagens da cidade, para enriquecer o acervo do museu do município.
Além de desenhos em cartolina, Antônio também pinta em telas. Para ele, o desenho e a pintura são indissociáveis e devem andar de mãos dadas. “Gosto de pintar tudo, natureza morta, pessoas, tudo que eu vejo gosto de retratar. Quando estou pintando, sou absorvido pelo o ato, é uma coisa da alma”.