terça-feira, abril 25, 2006

De bar em bar muitas histórias a contar














O ponto de encontro da juventude na década de 60 e 70 era no Gamelão, primeiro bar de Arcos, e também no Chapéu de Palha



Era final da década de 60 e o desenrolar dos anos 70. Período marcado, definitivamente, pela a institucionalização da censura e o auge da repressão política, devido ao Golpe Militar de 64. Os artistas Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Geraldo Vandré e Elis Regina, defensores de uma política ativa e esquerdista ganharam a inimizade do regime ditatorial e tiveram suas canções recriminadas e banidas da circulação nacional. O governo repressor com intenções de alienar o povo brasileiro agiu de forma que a MPB desaparecesse das rádios, cedendo lugar às músicas da Jovem Guarda e ao rock internacional, como os Beatles, Led Zeppelin e Deep Purple. O “Glam Rock”, o excêntrico rock com purpurina, referenciado pelo ícone musical David Bowie, e no Brasil, pelo grupo “Secos e Molhados” também fazia parte das paradas do sucesso, assim como o “belisquete”. A moda evidenciada pelas tendências singulares permitia que as mocinhas mostrassem mais o corpo com as míni-saias, os topes “tomara-que-caia”, enquanto os homens se trajavam com as calças bocas de sino e as camisetas justas de botão. O Estado de Minas Gerais, especificamente Belo Horizonte, recebia essas influências do eixo Rio - São Paulo, que por sua vez refletia nas pequenas cidades do interior.
Neste contexto, Arcos estava em um processo de transição, deixando de ser um município, essencialmente agrário, para se tornar industrializado e urbano. A população era estimada em 20 mil habitantes, embora, a cidade recebesse um grande número de imigrantes, que vinham para trabalhar nas indústrias extrativas. Bailes e “horas dançantes” era a forma que os moradores tinham de se entreter no Clube Social (único espaço de festas), até surgir os primeiros barzinhos, verdadeiros pontos de encontro da juventude. A cidade era bem pequena e aconchegante de tal forma que era muito mais fácil a integração e aglomeração das pessoas.
Quem viveu as décadas de 60 e 70 em Arcos jamais esquece os dois bares que marcaram a história social do município, o pioneiro, Gamelão, e o Chapéu de Palha, ambos de natureza rústica.

O precursor: Gamelão

Inaugurado no dia 21 de janeiro de 1968 por Expedito Rezende, arcoense já falecido, e por sua esposa Maria Carmelita de Rezende e filhos, o espaço nada convencional era caracterizado por três itens: o capim, o bambu e a madeira. Tinha o teto todo de capim e era todo contornado por bambus; as cadeiras e as mesas eram de madeira, todas redondas, localizadas nas laterais, pois no meio se formava a pista de dança. Os banquinhos que se pareciam com tamboretes eram grudados no chão de cimento liso. O bar se localizava onde é a loja Eletrozema, hoje, na Rua Gétulio Vargas.
A denominação do lugar se deu pelo fato do formato do local ser uma grande gamela virada de cabeça para baixo, por isso a palavra no aumentativo: Gamelão, inclusive o símbolo de inauguração foi uma gamela ornamentada com flores.
De acordo com Eliana Resende Borges, filha de Expedito, o Gamelão foi o primeiro bar de Arcos, isto é, que proporcionava ampla integração social e uma constante programação de eventos. Afinal, já existiam outros bares, porém de movimentação quase restrita a homens, como o do Idolves, do Vivi e do Zé Pires.
O Gamelão não era simples bar, mas era um espaço alternativo em que se promovia comemorações de datas cívicas, casamentos, desfiles, festas de carnaval e bailes de reveillon. Á noite, o som do bar provinha dos antigos LPs e nos finais de semana tinham shows ao vivo.
O primeiro conjunto musical da cidade “Os Jovens”, ativo até 1971, era marca carimbada do Gamelão. Eles animavam quase todos os finais de semana da moçada. “Tocávamos o que fazia sucesso na época: Os Incríveis, Vanderléia, Roberto Carlos, Vanderlei Cardoso, além de releituras de músicas dos Beatles, a banda que dominava o mundo na época”, lembra João Teixeira da Silva, 59, guitarrista da banda e freqüentador do bar.
João conta que as festas eram muito agradáveis e era onde realmente os jovens se encontravam para bater um bom papo e se divertir, e era tão bom, ele frisa, a ponto de ele e alguns amigos matarem aulas à noite para irem para o Gamelão. Ele ainda conta que “Os Jovens” chegou a tocar algumas vezes no Chapéu de Palha.
A arcoense Delorme Soraggi de Amorim, 55, era namorada de um dos integrantes da banda e adorava ir ao Gamelão. “O ambiente era muito saudável e receptivo. Todos interagiam, ficávamos conhecendo muitas pessoas, jogávamos dama, dominó e baralho”.
Para manter a ordem e o bom funcionamento do bar, e conseqüentemente ter um público seleto, Expedito Rezende permitia a entrada somente de pessoas que apresentassem a carteira de sócio do Clube Social ou que estivesse acompanhado por algum freqüentador assíduo. “Quem já estava muito bêbado não entrava. Meu pai queria que o Gamelão fosse um ambiente saudável e fraterno, que a sociedade de Arcos freqüentasse com tranqüilidade”, lembra Eliana.
Depois de cinco anos de funcionamento, em agosto de 1973, o calor da convivência dos freqüentadores assíduos do bar foi ‘superaquecido’ por um incêndio. Era uma tarde quente e de muita ventania, ambiente climático comum do mês oito, quando o fogo começou a lastrar na parte superior do teto. “Todo mundo ficou desesperado para apagar o fogo logo. Meus irmãos começaram a subir e jogar água, e em poucos minutos várias pessoas juntaram-se para fazer uma corrente para repassar baldes de água para quem estava no teto. A polícia gritava e ninguém obedecia. Foi legal, porque todos queriam ajudar. Os funcionários da antiga Transcálcio até vieram nos ajudar com extintores. A turma era tão animada que se mobilizou para arrumar o bar e cobrir o teto com lona, para que ele funcionasse normalmente naquele dia”, lembra Eliana.
A família desconfia que tenha sido alguma ponta de cigarro ou algo parecido que tenha desencadeado o incêndio, mas até hoje nada foi comprovado.
Um ano depois, Expedito Rezende vendeu o Gamelão para Olívio, quer manteve o bar na ativa por cerca de mais dois anos.


Chapéu de Palha


Antes disso, havia sido criado em 26 de julho de 1969 um lugar semelhante ao primeiro bar de Arcos, o Chapéu de Palha, por Ayrard Olivério Siqueira, em frente a Praça central da cidade. Semelhante ao Gamelão em relação aos aspectos físicos, diferenciava quantos aos serviços, pois funcionava como restaurante/churrascaria durante o dia e à noite como boate. “Até as 22h:00 tocava-se discoteca, das 22h:00 às 24h:00 samba, e de 24h:00 às 02h:00 só rodava discos de música lenta para dançar a dois”, lembra Ayrard. Em 370 metros quadrados, o Chapéu de Palha disponibilizava 76 mesas e 320 cadeiras, sendo que o funcionamento do restaurante/boate era diário.
O investimento foi muito bom para Arcos, diz o proprietário, porque não existiam restaurantes no município, e as pessoas, sem escolha, eram obrigadas irem a Formiga para almoçarem em um restaurante chamado Capri. Para oferecer variedades no cardápio, Siqueira tinha andar longe para comprar ingredientes, devido à falta de um bom supermercado local. “Quando precisava de peru da Sadia ia até Divinópolis para comprar”, conta.
O restaurante foi lugar de passagem por várias personalidades, entre eles, políticos e atletas. “Certa vez, o time do Cruzeiro veio jogar em Arcos e foram todos almoçar no Chapéu de Palha”. Ayrard lembra que a Praça ficou lotada de curiosos e fãs do time.
Com exceção das mulheres, a entrada no Chapéu de Palha era cobrada nos dias de festa. O proprietário acredita que este macete era a chave do sucesso de seu bar. “As mulheres nunca pagaram entrada no meu estabelecimento. Isto atraía os homens, mesmo que o preço que eles pagassem fosse mais caro”.
O Chapéu de Palha também foi incendiado em 1972, um ano antes do Gamelão. No dia, estava acontecendo uma festa de bodas de prata e fogos foram soltos em comemoração. Fatalmente, um deles caiu no teto de capim, provocando o incêndio. Ayrad lembra que a destruição do fogo causou um prejuízo enorme, porque o Chapéu de Palha foi queimado por inteiro.
Quanto aos comentários de que no Chapéu de Palha, negros não podiam entrar, Ayrard rebate e afirma que não é verdade. “Lá podia entrar rico, pobre, preto e branco, desde que tivesse um bom comportamento. Às vezes tinha algum preto que fazia bagunça e eu não o deixava entrar, novamente, mas não era por causa da cor, mas sim pelo procedimento inadequado. Muitos deles procuraram o juiz para me processar, mas não dava certo, porque o juiz via que não era o verdadeiro o argumento, porque ele chegou a averiguar o bar, em um dia, e lá dentro tinha muitos negros”.
O proprietário acredita que agiu bem e que seus procedimentos com seus clientes eram pela manutenção da ordem e paz no local.
O Chapéu de Palha durou até 1989, época em que a cidade já havia modernizado e a concorrência entre os estabelecimentos de entretenimento era bem maior.

5 comentários:

Anônimo disse...

Claudinha, seu blog está show!!!
Suas matérias são ótimas e muito orgulha aos arcoenses quem têm aqui um pedacinho da história retratada! Sucesso pra você!!!!
Tudo de bom e que Deus te abençoe e ilumine seu caminho!

Anônimo disse...

Perfeito!
vc vai fazer sucesso sem dúvida alguma....
Parabéns pelas reportagens que sempre estão nos informandos sobre nossa terra...
Um abraço querida!
Sarah

Anônimo disse...

Claudinha ,
menina a matéria ficou muito boa ...
Parabéns!!!
Coincidencia ... os dois ambientes se queimaram ..
mais uma vez Parabéns ...
marymary

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

Claudinha, antes tarde do que nunca, quero te parabenizar e agradecer a sua excelente reportagem, sobre o nosso saudoso GAMELÃO, que muito nos orgulhava.
Você fez com que voltássemos naquela época tão importante de nossas vidas, e na vida de meu pai.

Ass: ELIANA RESENDE BORGES