terça-feira, maio 09, 2006

O Percurso

Caminhando rumo à faculdade, todos os dias, deparo-me com o inevitável, com a rotina de se encontrar as mesmas pessoas nos mesmos lugares. Um ensaio de uma peça interminável que nunca se realizará, a não ser no palco de minha mente que direciona os meus passos e fadiga meu senso de repetição diária.
Passo em frente a uma casa, aliás, de várias casas, embora, essa seja especial pelas pessoas que lá sempre estão e vivem a me cutucar, a me lembrarem que a vida não se passa de um conto de “tic-tacs”, e que a minha cabeça não contabiliza tantos números. Nessa morada há uma senhora que foi felicitada pela perda da memória, se esquece das horas e não usa relógio, acompanhada de seu filho com problemas mentais, e vivem a me perguntar também as horas, mas, apesar de não ter perdido a memória também não tenho relógio. Eles, geralmente, ficam no alpendre da casa, por isso, o fatal encontro, que move-me para um ciclo vicioso aterrorizante.
A rua da casa é parte de uma bifurcação, tem grandes árvores e pequenos banquinhos, alvo dos preguiçosos que se deliciam em descansar na rua, após o almoço; e também é em frente a uma linha ferroviária, o que torna as casas mais frágeis, as quais tremem quando o trem passa e as pessoas que habitam essas fremem mais ainda com medo do comboio invadir as pequenas moradias delas sem avisar, ou melhor, sem apitar.
Geralmente, passo por lá pela manhã com a bolsa a tira-colo, uma pasta cheia de papéis a mão e a cabeça fresca. Sem fazer cara de desespero, sorrio e olho para o céu, para o V traçado pelos pássaros, como eu li no livro de Lima Barreto, o V de vai incentiva-me a ir, a seguir os segmentos dos meus desígnios, e direciono meu olhar também para as nuvens que me lembram algodão-doce. E às vezes chuto pedras...
Nem sempre rumo ao mundo acadêmico, mas sempre por este caminho, sempre por essa rua, encontro-me com a senhora e seu filho a toda hora, que sempre me fazem as mesmas perguntas.
Entre um percurso e outro, ando, visito amigos, olho vitrines, faço entrevistas e também existe a possibilidade de não se fazer nada.
Ao retornar para a faculdade, chego à rua da senhora e do rapaz. A senhora sorri com ar de quem me conhece há anos e pergunta-me: Você está voltando ou indo para escola? Não sei o porquê da pergunta. Talvez seja pela pasta de papéis, pelo estilo infantil, não sei... Ela não se sente satisfeita com a resposta e ainda pergunta, mesmo vendo que não tenho relógio no pulso, quantas horas são. Digo para ela que estou indo estudar e que não sei as horas, infelizmente. Sigo pensando porque ela me pergunta aquilo todos os dias.
No dia seguinte, lá está ela com a pergunta na ponta da língua: “Você está voltando ou indo para a escola? Então, quantas horas deve ser?”. Respondo: Estou indo para a escola. Ela insiste para que eu diga as horas. Acabo dando um palpite: devem ser sete horas.

3 comentários:

Anônimo disse...

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Cláudia Silva disse...

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Anônimo disse...

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