Manhã de sexta-feira. Primavera, Lisboa, sandálias e pernas de fora, mas estamos no tribunal. Favor desligar os telemóveis. Vamos ouvir o arguido? Pergunta a juíza aos colegas. À direita dela está o procurador do Ministério Público, à sua esquerda o advogado de defesa, e à sua frente, o acusado. Atrás do acusado, o ofendido.
Está composto o palco na sala do tribunal. As audiências são abertas ao público, que pode se acomodar nas cadeiras de madeira, iguais às cadeiras, nas salas de tribunal, vistas por mim no Brasil. Parece que é uma decoração de interior das salas de tribunal tradicionalista em todo mundo.
O julgamento está a iniciar, proclama a juíza. Ela com ajuda do escrivão, metodicamente, pede ao acusado que permaneça em pé e diga o nome próprio, data de nascimento, naturalidade, profissão, ordenado, morada, estado civil, número de filhos e se tem casa própria e se não, qual é o valor da renda.
A juíza lê o processo e em seguida indaga ao acusado se aquela acusação é verídica. Este é o momento crucial do julgamento, que pode terminar por ali, ou ser levado adiante, por dias e meses, caso o acusado negue. Naquele dia, muitos confessaram que estavam a conduzir embriagados e alguns negaram acusações mais graves.
Em uma pergunta indutiva, em tom religioso e a roçar à repreensão maternal, a juíza novamente interroga, quando o acusado confessa:
- “O senhor está, obviamente, arrependido, não está? E a resposta de um deles é:
- Claro que estou, tenho muita vergonha, tanto que minha família nem sabe que estou aqui!
E, com uma expressão sorridente e de catarse por cumprir a função de controlo social em um Estado de Direito, a juíza vira-se para o procurador e para o advogado de defesa, e lhes pergunta se querem pôr alguma questão ao acusado.
Uma nova acusada aparece em cena. É uma moçambicana que estava conduzindo embriagada. Depois do mesmo ritual repetido em todas as audiências, com as mesmas perguntas e frases, a juíza pergunta à acusada, porque aquilo aconteceu.
A incriminada com muita clareza e firmeza na voz explica que não costuma ingerir bebidas alcoólicas, porém, naquele dia fatídico estava comemorando na casa de um dos seus amigos a conclusão de um curso. Estava feliz e a beber uns copos. Resolveu ir para casa e quando de repente perdeu o controlo do carro, atirando-se contra outro automóvel.
Após ouvir a narrativa da acusada, a juíza pergunta-lhe:
- “A senhora, obviamente, está arrependida, não está?”
- “Estou sim.”
- “Pronto. Vou poupar-lhe de qualquer leitura de sentença. A senhora receberá a sentença em casa por correspondência.”.
Aqui, é claro que simplifiquei o complicado discurso da juíza que é pomposo e bem elaborado. Poderia dizer que é melodioso, por ser repetido várias vezes. Isto, digo eu, depois de ouvi-la durante duas horas a repetir as mesmas palavras.
Nova audiência é iniciada, o acusado de fato e gravata entra em cena, juntamente com a advogada loira. Entretanto, após o vai e vem do escrivão, a juíza pronuncia:
- “O ofendido não compareceu. Está encerrada a audiência”. Aquilo, pareceu-me uma peripécia, típica das telenovelas. Estava à espera de um caso mais alarmante que desse uma boa crónica, porque até aquele momento tinham passado por ali pobres coitados que tinham bebido além da conta e fizeram mal em conduzir embriagados. Porém aquele acusado pareceu-me altivo por demais e tinha um charme proveniente de criminosos. Achava, por isso, que seria uma bom caso, mas adiado foi. Que pena!
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