sábado, julho 14, 2007

Viver em comunidade é barato, mas dá trabalho

Naquela casa, as tarefas domésticas e o zelo pelos utensílios tinham que ser seguidos à risca. Eu sabia disto e eles também. A arquitecta, a mais zelosa pela casa estava em férias, e durante sua ausência uma prateleira se partiu por excesso de peso, uma colher de pau trazida do Quénia para Europa partiu-se também e mudamos todos os móveis de lugar; aproveitei para colocar em palco o cenário que mais gostava. Nós que temos mais de 20 anos e para mais de 30 anos sentíamos como adolescentes quando ficam em casa sozinhos como quando os pais vão de viagem. Tínhamos no calendário a marca do retorno da nossa amiga, que era para limparmos a casa na véspera da sua chegada e novamente montar o palco. A paranòia gera receios e foi neste tom de confissao que disse ao meu amigo de casa:
- Ontem quebrei um copo; e ele sem entender bem a pronúncia perguntou-me:
- O quê...?!
- Eu abaixei o tom de voz e repeti:
- Eu quebrei um copo de vidro ontem, mas não conte a ninguém.
- E qual é o mal disto?
- É que já quebramos coisas por demais!
A cozinha era o grande cerne da questao. Tem sempre alguma coisa a chatear, nem que seja um copo sujo de café. E era na cozinha que existia o indicio maior da organizaçao domestica. Além de ter uma grade horària de quem està escalado para a semana de limpeza da casa que inclui a gestao dos espaços comuns, hà um bilhete pregado à parede, com os seguintes dizeres: “Mantenham os pratos limpos para uma boa coabitação”. Eu quando li aquilo, li mal, li em voz alta e pensei: o que raio tinha a ver a limpeza dos pratos com uma boa coabitação; e aconselho o leitor que também leia em voz alta, porque tem piada, para quem sabe bem português.
A verdade é que, ultimamente, comecei a pensar na “tarefa doméstica”, como ela se dá e como lidamos com ela. Seja a morar com a família ou com amigos é sempre motivo de pequenas discórdias e chatices connosco mesmo, isto, porque temos excentricidades! Eu gosto de apertar a pasta de dente sempre no mesmo lugar, de forma que ela fique agregada e não gosto de vê-la de outro jeito. Chateio-me. Uma das pessoas que divide a casa comigo não gosta de acordar e ver loiça suja na pia mas, alguém quando chega em casa com uma leve embriaguez não anima a mexer com sabão, água e loiça. È perdoável? Não sei.
Viver em comunidade é barato, mas dá trabalho. Uma das regras é: não cobre, porque vai ser cobrado.
O código de postura da esfera doméstica diz que não se deve meter papéis na sanita porque entope e depois quem é que limpa os excrementos? Fui a uma casa um dia, em Lisboa, em que havia bilhetes escritos em mais de cinco línguas, na casa de banho, com a advertência: “Não metas papéis na sanita!” Para tornar a coisa mais significativa ilustraram com desenhos de sanitas e indicações da lixeira, com setas e tudo mais. Achei um bom recurso.
Também gosto de ver a tampa da sanita sempre fechada. Poxa, mas ninguém a fecha? Acho que a minha mãe foi uma das únicas a ensinar isto, ela também metia lá acima do vaso sanitário (como se diz no Brasil): “Abaixe a tampa do vaso depois de usar”. Eu absorvi o ensinamento, antes não tivesse, porque é uma norma contra o sistema comum das pessoas e irrito-me às vezes comigo mesma. Mas se as pessoas soubessem que a cada puxada de autoclismo com a tampa aberta se espalha germes pela casa de banho toda, inclusive para as escovas de dente, poderia ser que se lembrariam de fechar a tampa.
É que a nossa amiga chegou de viagem e foi logo recolocar a prateleira que se partiu. Não se chateou por termos partido, mas disse logo: “Fogo, mas ninguém arrumou isso antes porquê?” Também arranjou um lustre da cozinha que já estava a ameaçar a cabeça de um co-habitante, porque estava a cair do tecto. E ela também disse: “Fogo, mas era fácil arrumar isto”. Recolocou a cortina de banho que alguém tinha trocado por estar muita suja. Ninguém se chateou, porque era transparente e ficou bonita por cima da outra. Todos ficaram felizes, mas ficou no ar aquele clima de : c’est la vie.