quarta-feira, maio 24, 2006

Tom Bege destilado em tons de saudosismo




O Tom Bege é o bar que mais deixou saudade em Arcos. Durante seus 18 anos de existência foi marco de várias histórias de amores e rumores




“no salão de um bar em tom laranja
ostra ou bege
como mesa vazia
olhares perdidos na fumaça
das bocas que almejam beijos
essência que flora do chão
cheiro do amanhã
voltar novamente”
Nada mais perfeito do que este trecho da poesia “Tons Dispersos” de Antônio Veloso com seu traço de sensibilidade e romantismo para expressar o clima do Tom Bege, bar que foi cenário da vivência de várias gerações em Arcos e gera assunto para longas horas de saudosismo. No ano de 1982, a família de Samuel Antônio da Silva, composta pelo pai Honorato da Silva, pela mãe Maria José Calácio, a Zezé, e pelo irmão Sinval José da Silva abriu, literalmente, a Casa para fazer história na vida social e cultural do município.
A idéia de se criar o bar veio dos pais de Samuel, e o primeiro passo que tomaram foi procurar um lugar alternativo que desse um aspecto confortável, familiar e de bem-estar aos freqüentadores. Até que acharam o ambiente ideal: o rememorado casarão em frente a Praça central, que ficava ao lado do Tio Patinhas e tinha 91 anos de existência, com imensas janelas de madeira. Apesar das paredes terem sido desmanchadas, a família proprietária preservou ao máximo as características da arquitetura quase centenária da casa, principalmente a fachada e o assoalho que proporcionava a leve sensação de se estar pisando nas nuvens, impressão garantida por quem passou pelos pisos do Tom Bege até 1994, ano em que o piso foi trocado por cimento. Só a parte dos fundos danificada por um incêndio, que sofreu modificações mais evidentes.
A decoração foi incrementada com os toques peculiares de artefatos comprados na Feira Hippie de Belo Horizonte, como objetos rústicos de fazendas e lustres excêntricos. Na entrada do bar, havia um item especial que dava ares de “alternativo” ao lugar, era um garrafão com uma lâmpada inserida no interior que ao ser acesa dava projeção ao nome do local, escrito dentro do vidro. Nome que se originou devido à cor do recinto e à influência do bar famoso, Tom Marrom, de Belo Horizonte.
O Tom Bege, além de um bar, era um local em que se promovia e incentivava a arte e a cultura. Tocava-se somente Música Popular Brasileira, enquanto vários artistas da cidade e da região expunham seus trabalhos. Ideais e idéias políticas e sociais eram propagadas por meios de eventos que estimulavam o senso democrático dos freqüentadores. Samuel conta que se realizavam festas em que se tinha que votar em alguma coisa, para incitar a participação coletiva. Até jornal foi lançado no Tom Bege, o extinto Paquiderme.
Os arcoenses que estavam acostumados a assistir shows somente no Clube Social, começaram a se deslocar para o bar, para se divertirem com apresentações de bandas famosas na época; uma delas foi a “Três do Rio”, grupo famoso por mesclar música com teatro.
Como metaforiza Samuel, o bar não só abria grandes janelas para a Praça, mas abria várias janelas na mente das pessoas. Toda manifestação de arte que era exercida era com intuito de causar reflexão e ampliar a visão de mundo de cada um que passasse por ali.
No bar havia um painel reservado para quem quisesse expor algum texto literário, intitulado “Tom Poético”, artifício que inspirou a compilação das melhores poesias no livro “Tom das Palavras”, publicado em 16 de julho de 1983, com prefácio de João Evangelista Rodrigues. Inclusive, o trecho da poesia citado logo no início da reportagem foi retirada dessa obra literária. Samuel, que é formado em Comunicação Social, se responsabilizou em fazer a antologia e as ilustrações. Muitos dos desenhos contidos no livro, de autoria de Samuel, são imagens estilizadas do Tom Bege.
A culinária também era uma forma de difundir cultura no Tom Bege, afinal, em cada ocasião especial que acontecesse a nível local ou nacional, eram servidos pratos típicos daquela data. Em noites quentes de carnaval os mexidos enchiam a ‘boca de água’ de qualquer um; na semana santa era a vez dos bolinhos de bacalhau. Nos dias comuns, o caldinho de feijão com pão de queijo era o carro-chefe do cardápio. “Na época não era comum as pessoas tomarem caldos como se faz hoje em dia. Então, no início fomos ousados e até pensamos que não iria fazer sucesso, partindo da idéia de que todos comem feijão todos os dias em casa”, lembra Samuel.
As pessoas de cidades vizinhas tinham conhecimento do Tom Bege, diz o proprietário, e muitos vinham de fora para divertirem no bar. Era super frequentado, fato que tornou o espaço pequeno e depois de 11 anos de funcionamento, ocasionou a criação de um anexo, o Tom Mix, em 1993, um espaço maior, onde foram realizadas várias festas tradicionais. Entre elas, o Dia das Bruxas, Sábado de Aleluia, Carnaval, Reveillon, Brega, Country, Blues, Anos 60 e 70 e Noite da Lanterna; e também nada tradicionais, como a Noite do Chupacabra, em que um cabrito foi leiloado. O Tom Mix tinha mais o aspecto de uma boate, do que propriamente de um bar.
Quando o Tom Bege completou 15 anos, em 1998, uma festa especial de comemoração foi realizada, com apresentação de quatro bandas, e a distribuição de mais de 1.500 exemplares do Mini Guiness, livrete com a reunião dos fatos mais pitorescos acontecidos no bar. Apesar de terem aumentado os fatos e com uma boa dose de humor, Samuel garante que é tudo baseado na verdade. Veja abaixo algumas curiosidades do Mini Guiness.
Nos primeiros anos, o bar abria de terça a domingo, e nos anos próximos ao fechamento, em 2000, o Tom Bege funcionava de quinta a domingo. De acordo com Samuel, uma série de motivos impulsionaram o fim do Tom Bege, tanto pessoais quanto comerciais. A cidade já tinha diversos ambientes com fins culturais, e também mais opções de lazer, por isso o bar já não estava sendo lucrável. Além disso, o patriarca da família proprietária faleceu, e Samuel achou melhor ajudar o irmão Sinval, na Pizzaria Pedaço, que também era deles. Depois de dois anos que o Tom Bege foi fechado, o Casarão foi demolido pelo dono da casa, esgotando a possibilidade de ser reativado. Samuel acredita que o proprietário do imóvel tomou essa atitude, com receio que de que o casarão fosse tombado como Patrimônio Histórico do município.




Fachada do bar em 1982



Tom Bege no Ciberespaço

Uma forma de matar a saudade do Tom Bege é participar da Comunidade no Orkut (site de relacionamentos) “Eu fui no Tom Bege”, espaço virtual em que amigos contam histórias vividas no bar e comungam de um mesmo objetivo: não deixar a memória morrer. A comunidade foi criada em 27 de janeiro de 2005 e até a data de apuração desta reportagem, tinha 377 membros.
Nos tópicos de discussão, a indignação rola solta, devido ao fato de o casarão centenário ter sido demolido. Os freqüentadores do Tom Bege acreditam que foi um crime contra o patrimônio histórico e cultural de Arcos derrubar um monumento que não só fez parte da história do município como se tornou um ícone da Praça central, produzindo boas memórias de várias pessoas.
Existe também na comunidade muitos comentários de pessoas que não são arcoenses, mas tinham o Tom Bege como um ponto de referência quando iam a cidade passear. Valéria de Paula Queiroz é uma delas, que mesmo morando em São Paulo, ia a Arcos sempre visitar a família nas férias, feriados e finais de semana e aproveitava para “bater o cartão” no Tom Bege. “Quanta bebedeira, quantos tombos naqueles degraus e quanta saudade. Arcos e o Tom Bege fazem parte da minha feliz história”.
O tópico da lista de discussão, intitulado “Significou muito para mim”, é relevante pela intensidade dos fatos. Escrito pelo cartunista Ed da Silva Rodrigues, 38, ele relata os 'anos dourados' em que viveu no bar. Desde a sua inauguração em 1982 até seu fechamento, em 2000, ele o freqüentou. E foi por causa de um fato ocorrido lá, que deu o primeiro passo para se profissionalizar como desenhista.
Ed conta que expunha desenhos semanalmente no Tom Bege, numa espécie de mural de charges. Certo dia, ele fez uma brincadeira sobre a demora dos policiais atenderem os chamados de socorro de brigas que aconteciam na Praça, o que resultou em censura. Os policiais foram ao bar e recolheram todos os desenhos, além de intimarem Ed a comparecer na delegacia para prestar depoimento. O cartunista lembra que isso aconteceu em 1985, e que apesar da década ser marcada pelo retorno gradual da democracia, o ato foi resquício dos “anos de chumbo”.
Os policiais não puderam acusá-lo formalmente, porém, enviaram um pequeno dossiê do fato ao gerente do banco em que Ed trabalhava na época, "para os fins que julgasse necessário"(palavras dos guardas), que foram boas risadas no final do expediente. “Nesse dia, senti que precisava ampliar meus horizontes, partir em buscas de editoras, de um reconhecimento maior do meu trabalho e ficar livre de tal provincianismo”, conta.
Hoje, Ed desenha para revistas da editora Abril, revista Mad, EGM em Brasil, Nintendo World e Jornal Estado de Minas.





Curiosidades - Mini Guiness do Tom Bege





Tô fechando...

O maior pileque constatado foi o do sujeito que chegou a preencher um cheque no valor de Cr$1.000.000,00(um milhão de cruzeiros), para comprar o bar.

O freguês mais canseira ainda conseguiu tomar cinco saideiras antes de dormir o sono mais longo no balcão: cerca de oito horas ininterruptas, durante o carnaval de 1993.

A sua casa

Em quinze anos, houve quinze verões chuvosos: em todos eles, ninguém ficou livre das exatas 74 goteiras causadas por falhas no telhado. Inexplicavelmente, os 480 litros de água eram recolhidos nas bacias e baldes nunca serviram para nada.
Quando faltava eletricidade, acediam-se lampiões. Ninguém reclamava.


Ficou na saudade...

... o pastelzinho português e o mexido da madrugada nos carnavais.
... o garrafão de vidro que ficava na entrada do bar, que durou dez anos, até se quebrar.

Toca aquela do...


Foram executadas 16968 horas de música – o que daria para ouvir dois anos de música sem parar. O primeiro disco (vinil, lembra?) já quebrou faz tempo. A música mais tocada nesses quinze anos foi “Rock Mary” do Paulinho Boca de Cantor. Tornou-se uma espécie de “hino” do Tom Bege.

O Tom bege foi o primeiro bar equipado com CD player em Arcos (o aparelho foi comprado no Paraguai)


(in)Consequências I


Nesses quinze anos, foram dados 2 tipos de beijos de língua: secos e molhados

Foram contadas 88379 fofocas, 674 mil piadas e 849 mil mentiras( esta é uma delas).


E o tom continua...

Em quinze anos, aconteceram milhões de flertes, foram trocados bilhões de abraços, trilhões de namoros começaram e terminaram, inúmeras cantadas foram dadas, litros e litros e litros de lágrimas foram derramados, sorrisos e gargalhadas inesquecíveis são lembrados por todos aqueles que passaram pelo Tom Bege.

3 comentários:

Anônimo disse...

Um povo sem memória não sobrevive...excelente matéria.Ainda guardo o sabor da azeitona no final do caldo de feijão...não era o simples caldo,as lembranças dos amigos ,do momentos de ternura ,de amores platonicos,de poemas ,das musicas vem acompanhando o sabor inesquecível do caldo de feijão.

Bira disse...

Cláudia, vc não vai acreditar, mas estou aqui em Campinas com meu genro Edu, que é daí, de Arcos, conhece tudo do que vc está falando, até do ED, grande cartunista a quem conheci na Piazzada dos Cartunistas em Sampa, nos idos de 2000! Pelo que ele disse, é tudo verdade, vc só não falou que o Bar Tom Bege foi demolido. Tristeza geral!

Anônimo disse...

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